domingo, 10 de outubro de 2010

9. FOTOCHAPAÇÃO: DITADURA DO PRESENTE FORJADO NAS IMAGENS DOS CANDIDATOS

Navegando pela teia da imagética, no fluxo da propaganda política que compõe circunstancial e agressivamente a paisagem da urbis, quero tratar da fotochapação saneadora das imagens dos candidatos e provocadora de nosso mal estar eleitoral.

Certa vez escrevi sobre os possíveis significados do festival dentifrício promovido pelos sorrisos dos candidatos aos poderes públicos numa dessas eleições. Continuo mobilizado por esses temas por serem pistas que podem nos revelar questões que estão para além da conquista de nossos votos e dos cargos pretendidos.

Muito mais do que centralidade no sorriso dos sorridentes, nesse último pleito, o cuidado e atenção com a jovialidade dos candidatos inquietou até mesmo os pouco ou nada críticos em relação ao processo. Constatamos mesmo o forjamento dessa jovialidade, não só nos mais abertos às tecnologias, mas também nos mais ortodoxos.

O Fotoshop e seus similares adquiriram status de grande poder nos partidos, ou melhor, nas produções de imagens, de significados das imagens dos candidatos. Poderíamos trazer, também, a utilização das ferramentas de comunicação na rede como poderosos instrumentos que adquiriram status elevado em suas estratégias. Mas não é o caso aqui. Quero tratar do forjamento imagético como estratégia visual direta dos candidatos e suas delegações, produzindo significados no cotidiano.

Nos meios onde interajo - escolas, universidade, condomínio, rede, entre outros - percebi muita ironia nas referências aos baners, cartazes, panfletos, outdoors que traziam as imagens dos concorrentes ao pleito. Figuras dinossáuricas da política local e federal foram veiculadas através de imagens que lhes retiraram as impurezas do implacável tempo.

Meu filho de 13 anos, ao visualizar um desses baners no trajeto do colégio para casa exclamou irônico: ...mas, papai.. tá na cara que isso é fotoshop! Será que ninguém percebe? Eu argumentei que ouvi dias antes, um cidadão ironizar num programa de rádio que se temos leis contra falsa identidade e idoneidade nas relações trabalhistas e sociais, deveríamos ter, também, uma lei contra a falsificação de imagem dos políticos em suas propagandas eleitorais, tamanha a mentira visual que estava em exibição na cidade!

O que essas estratégias podem significar?

Sem fazer patrulha contra as “repaginações”, “recauchutagens” ou outros mecanismos de controle “anti-idade”, como são denominados produtos que prometem, ou melhor, assumem tal compromisso com o consumidor, quero refletir sobre as pretensões desses atores ou artistas ao se venderem nesse formato à sociedade e, também, o que essas ações podem estar querendo nos dizer.

Muito mais do que repaginação da aparência para ficar bem na foto, isso pode revelar aspectos dessa crise de percepção de sentidos que nos toma na atualidade. A ditadura da eterna juventude está instaurada, nos interpelando para romper com lastros de passado, com qualquer sinalizador de nossa historicidade, de nosso tempo vivido, daquilo que temos sido, sendo-no-mundo. A hiper-presentificação se configura num totalitarismo que subjuga quem traz consigo marcas, manchas, arranhões do tempo vivido. Há uma política de saneamento histórico que não admite impurezas, nem no “histórico imaginário”, nem no histórico imagético impresso nos caminhos diversos de nossos olhares. A Fotochapação explode ambivalências: dá conta, de certa forma, desse saneamento visual, ao mesmo tempo em que nos “chapa” pelas vertigens causadas por tais estratégias como “verdades políticas de campanhas políticas”. Como é que esses candidatos administram esse forjamento impresso nas propagandas e nas mentes, quando estão interagindo corpo-a-corpo com os eleitores (ou não-eleitores)? Nessas ocasiões esse presente sem impurezas deixa de existir. A fotochapação se liquefaz revelando outro presente, repleto de impurezas, manchado, disforme, assimétrico e provavelmente, vertiginoso.

Será que a Fotochapação provoca novas identidades? Será que ela configura uns “outros” deles mesmos? Será que nos tornamos suscetíveis a essas estratégias de “verdades políticas de campanhas políticas”? Será que a Fotochapação consegue zerar a historicidade apagando impurezas dessas caras-de-pau?

...E eu que ficava incomodado em passar uma tinturazinha nos grisalhos de meu cavanhaque!

ZELÃO zelosmegatrend@uol.com.br @zelostn (tweeter)

O TEMA NA REDE
http://ccsp.com.br/ultimas/noticia.php?id=44828
http://www.adnews.com.br/publicidade/101121.html
http://www.jornalopcao.com.br/posts/reportagens/eleitos-pelo-photoshop
http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_20/2008/08/03/em_noticia_interna,id_sessao=20&id_noticia=74159/em_noticia_interna.shtml http://www.caspervox.net/2009/09/despois-da-web-photoshop-na-mira-de.html

4 comentários:

Wilton Oliveira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Wilton Oliveira disse...

A imagem é tudo.
A composição de Jason, cantada principalmente por Pitty, trás uma reflexão relativamente boa a respeito dessa temática.

Imagem É Tudo Sua Cabeça Não Tem Nada.

Você só pensa nessa porra de imagem
Se acha foda, porque usa tatuagem
Que radical, seu cabelo colorido
Sensacional, essa argola no umbigo
(...)
Você é uma barbie disfarçada e não se enxerga
Por fora é uma beleza, mas o recheio é uma merda

O meu armário não tem roupa prateada
A calça é velha e tá meio desbotada
Sinto muito se o meu tênis tá furado
Não sou produto e não vou ser rotulado

Não use fantasia pra ser diferente
Seu figurino não condiz com sua mente
Debaixo da carcaça há uma idéia ultrapassada
Tudo tem limite, senão vira palhaçada.

Apesar de ser uma alienação as aversas esse texto tras um reflexão sobre o que fazemos com as imagens.

Não são só os políticos que vivem em um mundo onde imagem é tudo. Encontramos isso em todos os seguimentos da sociedade, inclusive em lugares onde o processo deveria ser bem diferente. Ambientes que devereiam ser quarteis generais, no bom sentido da expressão, da formação crítica e contextualizadas se rendem ao processo da imagem. Imagine!!!

O que é boa aparência? O rótulo se sobrepôs ao conteúdo. Um professor barbudo, cabelo cumprido, com calça jeans surrada, tenis furado, não terá nenhuma chance de contribuir com suas aprendências nas escolas de ponta de Salvador e demais lugares. Não será sequer ouvido, o seu conteúdo ficará endogenizado e no máximo conseguirá trabalhar nas periferias e nas escolas publicas em função do processo seletivo ser por concurso e não por pessoas.

Comemos, compramos, moramos, amamos e outros a partir da aparência. Portanto, não há estranheza e, sim, compatibilidade entre o modelo escolhido de sociedade e os que vão gerí-lo. “Somos todos iguais...uns mais iguais que os outros.” Engenheiros do Hawai.

Os políticos não formam sociedade e nem ideologia. São camaleões sociais e imagéticos de uma sociedade onde pessoas nascem, crescem, reproduz e morrem sem saber quem são de fato. Pois levam 99% desse tempo sendo aquilo que os outros querem que ela seja, caso contrário estará fora da roda, do processo e, por conseguinte um isolado. Respeitamos o diferente, desde que esse diferente esteja dentro de um patamar no qual estejamos dispostos a aceitar.

Eu ainda não pinto os cabelos brancos da minha barba, até gosto. Só não sei até quando vou poder gostar disso.

Um abraço!!!!

Paulão Machado disse...

Zellows,
Valeu o post, concordo plenamente. Hitler já fazia a mesma coisa, portanto cabe a nós lermos estas imagens a partir de um posicionamento social histórico-crítico, como fez seu filho de 13 anos. Cada um de nós com suas cicatrizes e matizes nos afastamos das imagens plasticifradas e não plasticizadas que deveriam nos atrair.
Toque ao prof. Wilton: "All men are equal, but some are more equal than others". George Orwell, Animal Farm, muuuuuuuuito antes dos Engenheiros do Havaí.
Grande abraço e is we (é nóis).
Paulão.

Tharsis Carvalho disse...

A imagem é sem dúvida essencial para se conquistar um público ou uma pessoa. Lógico, ela não deve ser manipulada ou falseada tentando causar um engano.
A "boa aparência" gera no telespectador uma certa simpatia com o candidato, no caso de exibição televisiva ou, ao público "visualizador de imagens" em geral, com o sujeito em mostra. Recentemente, tivemos um exemplo disso a respeito das eleições para presidente numa comparação entre Dilma(PT) e Marina(PV) e entre Dilma e Dilma. Não falo isso por uma aversão, mas assisti, e acredito que outros também, a programas de debate na televisão que gastavam seu tempo para discutir a aparência das candidatas e a evolução do Dilma's Look. (rsrsrs)
É evidente que ao lado da imagem da candidata petista tivemos a ligação da imagem do antecessor Lula e, nesse contexto, duas imagens pesaram mais do que uma. A candidata do PV passoua aimagem que queria: seriedade, compromisso, honestidade e etc; a Dilma além disso tudo passou a imagem do poder, ou mais familiarizada com ele.
Essa é uma das questões: a imagem transmite valores, conceitos, sentimentos, ou seja, significados e a partir daí o público alvo reage de maneiras diversas. Sabendo disso é fácil imaginar a possibilidade de transmitir significados irreais ou inexistentes em determinadas personalidades através de uma foto ou de um perfil textual - considerando a imagem como representação, o conceito foge a apenas o pictórico, abrange o imaginário representativo - os quais podem ser meios de divulgação da verdade ou formas de publicar embustes.

Acessem o blog: cahrablog.blogspot.com