quarta-feira, 8 de agosto de 2007

5. TAMtas EXPLOSÕES

VAGANDO PELA FUMAÇA DA TRAGÉDIA DA TAM EM CONGONHAS, NO FLUXO DO DESESPERO, vi que além da aeronave lotada e do prédio da empresa, movimentado pelo fim do expediente na terça, 17 de julho de 2007, explodiram, também, tensões intercruzadas, como desdobramentos de grandes insatisfações em diferentes âmbitos do cotidiano dos brasileiros.

A explosão material provocou afetações profundas abortando brutalmente vidas de pessoas comuns, deixando a deriva, no grito calado da dor do ceifamento existencial, suas famílias e amigos, deflagrando/consolidando o aparthaid ético de perspectiva coletiva, instituído por essa quase casta de políticos e seus asseclas que imprimem uma quase desesperança aos acomodados por conveniência ou não, quase cidadãos.

A violência do baque foi incomensurável, a porrada foi avassaladora, transbordando novamente o líquido turvo da crise aérea brasileira.

O start da crise no céu da floresta amazônica, há 10 meses, apesar de ter sido transformado em artefato cultural midiático para consumo, com reportagens especiais e investigações com vozes e imagens alteradas num Fantástico aqui, num Jornal Nacional ali, pareceu despertar as comunidades brasileiras para a dimensão do problema, sem, entretanto, grandes mobilizações.

Para nossa condição de seres iconofílicos e iconofágicos, possivelmente o acidente entre o Boeing da GOL e o jato Legacy não tenha provocado forte espetacularização, em razão das imagens só mostrarem os destroços da aeronave na pequena clareira da Floresta Amazônica.

O acidente da TAM, ocorrido no pulsar urbano, na avenida Washigton Luís, setor Congonhas, na maior cidade do país, além de passageiros e tripulação envolveu atores que não estavam ligados diretamente ao vôo 3054 que seguiam interagindo com o fluxo da cidade. E quase foi filmado acontecendo: inseriu-se no universo imagético, explodido, incandescendo, ardendo corações, mentes e imaginários, como também, através da imagem borrada da aterrisagem descontrolada na pista do aeroporto, seguida do clarão da explosão.

O que o estabilizador com o nome TAM, iluminado pelas labaredas daquele incêndio soturno pode significar aos colecionadores e devoradores de imagens? Para mim e alguns próximos uma rede desalentadora de significados se configurou.

De imediato fui arremetido para o espaço da tal crise aérea brasileira; tomado por medo e revolta retomei a incrível capacidade de desrespeito humano e a cidadania desenvolvida pela tríade AERONÀUTICA-INFRAERO-ANAC: insegurança com a infra-estrutura dos aeroportos, pistas, equipamentos e controladores, incompetência gestora nas faltas de planejamento e investimentos, inoperância na regulação do mercado de passagens aéreas e com as insatisfações dos consumidores; e pelo descaso com a manutenção das aeronaves e a tara das empresas aéreas pelos desejos e necessidades de voadores/consumidores, potenciais vítimas logo de partida.

Ao mesmo tempo, como cidadão engajado, questionava a ausência do governo, desdenhador já a muito, dos problemas conjunturais: pensei no lulismo que se configura no país, na engenharia de marketing que autoriza ou não o aparecimento do presidente e seus propostos a consultarem o Arquivo Oficial de Textos e Pronunciamentos Medíocres para Tragédias Nacionais e declinarem sua verborréia genérica protocolar melodramática. Potencializei minha crítica à inoperância dos gestores governamentais e da ausência de planejamento na complexidade e em seus depoimentos antipáticos e bombásticos: que prosperidade geraria acidentes pela incompetência de gestores controladores e obsolescência tecnológica, ministro Mântega? Que gozo mórbido e sadomazoquista, ministra Marta Suplicy!

Pensei, também, no apoio conveniente da Presidência da República às lideranças políticas cínicas no Itamaraty e no Congresso Nacional e na sua perda de status midiático nesses tempos de recesso do Congresso e comoção nacional com o acidente aéreo. Vários boeings-da-tam explodindo nos centros urbanos, nas periferias e no campo enquanto Renan Calheiros, nem que a vaca tussa desabunda da poltrona da presidência do Senado.

Outra conexão dessa rede desalentadora é a explosão abafada dos desdobramentos das ações dos grupelhos de “branquinhos da classe média”, acéfalos sociais, que vem apavorando com sua crueldade a hipocrisia vigorante que acredita nas ocorrências de ações violentas apenas nas periferias dos centros urbanos, onde vivem “neguinhos brau”, os “outros sociais” que estão à solta, do lado de fora das grades, portarias e câmaras dos condomínios.

A explosão do Airbus 3054 da TAM ressoa agudamente na vida dos viventes desdobrando inúmeras outras explosões de desrespeito e insatisfações país afora.

Como é que estamos tratando dessas explosões em nossas salas de aula? Ou não estamos? Deixaremos por conta da mídia? Será que precisamos dar aulas sobre o acidente? Nesse caso, penso que a mídia o faria muito melhor do que nós, professores e educadores.

Creio que devamos tratar dessas explosões mobilizando as comunidades escolares, a sociedade para criar possibilidades de convivência num país com políticas públicas, cidadãos e políticos implicados em éticas pela coletividade. Esse acidente nos revela o quão vulneráveis estamos diante de um Estado inoperante, conivente com ingerências e desrespeitos constantes.

Apesar da tristeza e da depressão, presenciei ações concretas de colegas educadores explodindo esses temas em salas de aula, mobilizando seus alunos com criticidade para atitudes transformadoras. Também mobilizei meus alunos nesse sentido. Foram tocantes os relatos de Niêta e Mirian, companheiras de educação, quando explodiram o tema em suas aulas naqueles dias, tornando-os conteúdos refletidos e discutidos, desdobrando pontes e possibilidades de análise de questões que nos inquietam como seres humanos e cidadãos. Presenciei e interagi com seus e meus alunos que, mobilizados por discussões sobre a crise área como expressão da incrível capacidade de desrespeito ao ser humano e à cidadania instituída nesse país, propunham projetos, redigiam textos, discutiam estratégias e ferramentas para ações sociais naquela perspectiva.

Essas ações instituintes de educadores e alunos são explosões de possibilidades de reações coletivas às mazelas desse país tão diverso que nos solapam as esperanças. São atos de currículo poderosos, implicados num movimento crítico, de mobilização coletiva pela cidadania e pelo bem comum.

Encerro este percurso, juntando-me ao grande número de insatisfeitos, indignados e mobilizados contra esse contexto de não-gestões, externando meu mais potente repúdio ao Itamarati, ao Congresso Nacional, aos inoperantes Aeronáutica-Infraero-Anac e às empresas aéreas, ao mesmo tempo em que declaro minhas mais profundas condolências às famílias das vítimas desse acidente atroz.