domingo, 18 de março de 2007

3. A ICONOFILIA DOS GLOBALIZADOS NA MODERNIDADE TARDIA

Este texto foi originalmente publicado no Soterópolis – o jornal de cultura da Bahia, nº. 45, jun – 2002, e utilizado pela amiga, profa. Madalena, numa de suas brilhantes avaliações de Língua Portuguesa (que me deixou muito honrado), em um dos colégios onde atua.
Esta versão está revista e atualizada para o TEIA.

VAGANDO PELOS FRAMES, NO FLUXO DE SUAS IMAGENS, proponho que imaginemos o coringa e seus malabares para analisarmos um recorte da modernidade tardia. Somos nós os malabares ou o coringa dessa história? Se malabares, até que ponto deixamos que nos impulsionem ou, até que ponto nos permitimos ser moldados na madeira, pinos alegóricos que servirão aos espetáculos da vida? A quais espetáculos servimos? Se coringas, que habilidades estamos utilizando para o show cotidiano com os pinos voadores? Que tipo de show queremos apresentar? Somos protagonistas ou coadjuvantes?

Não teorizo sobre o que somos. Creio que ora estamos malabares e ora estamos coringa. E nesse momento, quero refletir criticamente sobre o nosso estar malabar.

A modernidade tardia nos lança como malabares no espaço cotidiano que se desvenda desigual, amorfo, e desequilibrante a cada pirueta impulsionada. Não pretendo execrá-la ou enaltecê-la. Quero tensioná-la.
Como interagir com tantas tendências, tantas mudanças, tantos “novos paradigmas” para entender o que está se passando nos mais variados âmbitos do viver? Como lidar com a questão da formação nesse cosmo de informação? Será que assimilamos tudo que é veiculado pelas fontes – família, escola, rua, autodidatismo, mídia? Como acompanhar a velocidade da informação? Será que é preciso assimilar todas as informações produzidas por essas fontes? Somos seletivos, assimiladores ou um poço sem fundo, depósito de informação? E a criticidade tem sido mobilizada para interagir com essa dessubstanciação que rompe com as experiências de temporalidade, com o agigantamento do presente?

Dentre essas matrizes, as questões midiáticas tem afetado sobremaneira as subjetividades e o comportamento do cidadão na modernidade tardia. Logo, quando se trata de formação, surge a inquietação: como lidar com os valores (ou a ausência deles) propagados pela mídia se meus valores são tão diferentes? Será que são tão diferentes mesmo? Será que estamos centrados apenas em nossos valores e não queremos reconhecer outros, diferentes e novos valores e interagir criticamente com eles? Até que ponto corroboramos com os valores midiáticos e autorizamos sua propagação? Será que a mídia é mesmo nociva ao comportamento? E se déssemos outro tratamento ao seu conteúdo, será que seria diferente?
Esses questionamentos expressam a insegurança e a incerteza que intercruzam nossas perspectivas momentâneas ou de futuro mais distante.

A comunicação de massa exigiu agilidade na transmissão da informação, promovendo consumismo em escala planetária, não apenas de bens de consumo mas, também, de valores, conceitos e comportamentos. A massificação da comunicação promoveu a reconstrução de conceitos, destruiu modelos, enterrou, transformou e criou valores embriagando-nos de efemeridade – “nada mais antigo do que ontem !”

Na profusão contestadora, ideológica e política da década de sessenta, entre tantas outras, encontramos duas referências sobre essa questão.

Na Arte e na Comunicação vimos a propagação de idéias que ganharam vigorosas proporções soando quase como profecias: Andy Wahrol, na vanguarda da pop arte, vislumbrou que “no futuro todos terão seus 15 minutos de fama”. Marshall MacLuhan, o visionário da comunicação, definia o conceito das redes de comunicação que chamou de “aldeia global”.

À luz desses referenciais, podemos refletir sobre as questões midiáticas na atualidade – o que não diminui nossas inquietações e angústias sobre elas.

Concretamente vivenciamos hoje as “profecias” dos dois vanguardistas do passado, apesar da aldeia global de MacLuhan não ter se consolidado totalmente como apontou. Direcionemos nossa visão àquilo que definimos como realidade para que as constatações nos desequilibrem.

Os 15 minutos de Wahrol foram ampliados para 60, 70 dias de fama nos reality shows, que se servem da aldeia global de McLuhan para que os espectadores possam participar, interagir e, pasmemos(!), decidir os rumos dos “novos famosos”. Que democracia, que senso de cidadania!!! As Pegadinhas de Faustão, Gugu, os antigos programas de Ratinho e de Márcia, por exemplo, transformam tragédias e constrangimentos em 10 ou 15 minutos de fama, transmitindo para todo o Brasil, a espontaneidade ensaiada dos protagonistas das histórias neles exibidas. Os programas desse gênero têm na comunicação em rede o grande canal para a participação dos espectadores incautos (e questiono, será que são inacutos mesmo ou se deixaram forjar nessa oficina global de desgentificação, cooptadora de pensantes?) que, sedentos de democracia, crêem estar exercendo-a.


Salve o culto às celebridades fugazes e à mediocridade em rede, em aldeia global!

As imagens dessas matrizes dão novos significados à idealização de felicidade, conquista pessoal, inteligência, sucesso, dignidade, solidariedade, passividade, perseverança, heroísmo - como quer Bial, o paraninfo dos heróis-broderes, etc.

O universo imagético ganha a dimensão do viver, pois “viver é simbolizar”. Eis aí a grande referência com a qual devemos interagir nesse contexto de transformações que nos inquieta. A vida é o palco da simbolização que adquire hoje, com as questões midiáticas, maiores proporções. Nosso consumo de imagem é infinitamente maior do que nos momentos históricos anteriores. Arrisco afirmar que é maior do que durante a Guerra Fria, quando a bipolarização ideológica construía símbolos, imagens, mitos que serviam às ideologias que se contrapunham. Nesse contexto de virada de milênio, assistimos o desenvolvimento tecnológico tentando sobrepor-se às Ideologias. Apesar do Echelon – sistema norte-americano de rastreamento de sinais telefônicos e e-mails “para combater o mal” - há possibilidade de comunicação entre seres de qualquer parte do planeta, independente da ideologia que possuem (se é que ainda possuem). Mike dos EUA pode se corresponder com o Yuri da Rússia; Shin Linn da China pode se corresponder com Antônio do Brasil, independente de suas ideologias. Se todos eles forem adolescentes estarão usando o mesmo tipo de indumentária de suas respectivas tribos nesses diferentes recônditos da terra; estarão, seguramente, assistindo MTV e assumindo “atitudes” muito similares, apesar de suas origens distintas e da utilização dos localismos como estratégia da globalizadora. A cultura de consumo, predadora e conversora de cidadão em consumidor inverteu a lógica da produção apontada por Marx. Nesses tempos de modernidade tardia, como alerta Jameson, ela é definidora da produção.
O universo midiático está a serviço da ideologia do capital, do consumo, do “ter” para ser feliz e tornar felizes as grandes marcas que dominam os mercados globalizados, inclusive as marcas de grupos de comunicação. Renato Janine Ribeiro, pensador brasileiro contemporâneo, afirma que no terceiro milênio a noção de cidadania que se terá em países como o Brasil (e já se tem) será “poder consumir”; se eu consumo eu pratico a cidadania; se eu possuo, eu tenho direitos adquiridos. Do contrário terei de subtrair de quem tem para ser cidadão.

Ainda como contribuição a essa reflexão faço referência a outro pensador da contemporaneidade, Foulcault, para refletirmos sobre as fontes de poder opressor e controlador. Diferente das bandeiras da esquerda marxista que apontavam essa fonte somente no Estado burguês, Capitalista – e que portanto, deveria ser derrubado - Foulcault argumenta sobre a dificuldade de se identificar essa fonte, já que ela não é única. A "microfísica do poder" está em todas as formas de relacionamento social: Estado/povo, brancos/negros, brancos/indígenas, pais/filhos, homem/mulher, marido/mulher, professor/aluno, diretor/funcionário, namorado/namorada, amigo/amigo, etc). Nas sociedades do liberalismo exacerbado é mais difícil, ainda, identificá-las. As facilidades de compra, de acesso a gastos, de “serviços”, de participação em programas de TV e Rádio, enfim, essa pseudo democracia interativa, criam uma névoa que desfoca tal identificação. Os focos do poder controlador estão dissipados na aldeia global (mas, quem controla a aldeia global?) impedindo a nós, seres globalizados, de interagir criticamente com essa rede.

Portanto voyeristas, quando, através do buraco da fechadura de nossa TV, inebriados pela sensação de estar ali, na intimidade dos “novos famosos”, atentemos para o fato de que também estamos sendo “filmados”, captados e observados pelos detentores de audiência, pelos opressores e manipuladores do comportamento, desfocados de nossa visão, muitas vezes obtusa, da realidade.

Somos seres iconofílicos, isto é, cultuadores de imagens. Mais ainda, somos seres iconofágicos, devoradores de imagens. Vejamos: quanta audiência para o Cidade Alerta e para o Linha Direta (este, reconstrói a história do crime como as cenas de uma novela que ainda vai acabar bem, encontrando os culpados, prestando um grande serviço à comunidade!) Lembra-nos o antropólogo Albergaria: quantas vezes vimos e revimos os aviões entrarem nas torres do WTC? A cada novo ângulo, largávamos tudo o que estávamos fazendo para não perdê-lo! Por que não transmitiram na mesma proporção as imagens do Pentágono? Elas eram bem pouco espetaculares, não possuíam a dramaticidade dos aviões explodindo as torres gêmeas em Nova Iorque. A audiência, nesse último caso, diminuiria.

Por fim, respondendo a inquietação inicial, afirmo que os coringas que nos lançam como malabares são os poderes que nos submetem não só através da "...coerção material, mas principalmente da dominação simbólica..." com forte influência da imagem, gerando novas necessidades e esculpindo os sentimentos e os desejos. A Imagem é incorporada cada vez mais ao uso cotidiano do pensamento. Nos tornamos a "Civilização da Imagem".

E então, como temos tratado destas questões com nossos alunos? Elas são relevantes como conteúdos transversalizadores? Temos refletido criticamente sobre as tensões cidadão/consumidor que nos afetam cotidianamente? Estamos interagindo com criticidade no universo imagético que tenta sobrepor-se ao intercruzamento de nossas vidas?

Nossa garimpagem deve ser incessante pela transformação do ensino enfadonho dos conteúdos em sala de aula.

Menos palestras, mais provocações e discussões!

No aguardo das interações!

segunda-feira, 12 de março de 2007

2. INCANDESCÊNCIA E RESFRIAMENTO

VAGANDO PELA URBIS, NO FLUXO DE SUAS ARTÉRIAS interagimos com poderosos currículos que estão nos afirmando comportamentos, atitudes e consumismo cultural.

A criticidade deve nos mobilizar para analisá-los e debatê-los, tentando garantir atitude pela liberdade e autonomia cidadã. Penso que tais questões devam ser garimpadas no cotidiano para serem lapidadas nos conteúdos, dando significação àquilo que tentamos promover em sala de aula.

Estamos todos em estado de aprendência. Os currículos culturais intercruzam nossos cotidianos enquanto estamos cidadãos, pais, mães, professoras, alunos e alunas, profissionais, filhas e filhos, dentro e fora da escola.

Vejamos a proposta de análise que desejo partilhar nesse espaço.

Enquanto abastecia o carro em um posto, na quinta-feira (aqui em Salvador) de carnaval, postura de observador malemolente, como quem deixa a cabeça recostar-se no apoio-de-cabeça, sem compromisso com o estado de vigília de minutos atrás, mas sem esmorecer ao interfluxo dos significados e significantes da paisagem,
surpreendi-me com imagens de consumo intercruzando esse espaço de significações.

Numa mesma parede do posto, disputavam a atitude consumista dos incautos motoristas ou, simplesmente, passantes, um pôster de energético, latas de cerveja empilhadas, advertência da empresa sobre som alto, advertência do Governo Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre venda de bebidas a menores e uma faixa, mostrando o preço promocional de outra cerveja.

Inquietei-me com tal simultaneidade de informações, refletindo sobre como esse conjunto afetaria as nossas subjetividades.















Há um tensionamento ocorrendo nesse enquadramento: as advertências e proibições com a cena da balada do casal incandescente determinando sua atitude burn, por R$5,90, bem como, com as opções menos incandescentes e mais resfriadoras das cervejas de R$1,50 e R$ 1,20. Os incautos devem beber ali e ouvir som em outro espaço? Os comerciantes respeitam a legislação e têm consciência de que vender bebidas alcoólicas a menores é crime? “Posto de gasolina” deve comercializar bebidas alcoólicas? Os incautos devem consumir as promoções de bebidas alcoólicas e incandescer/resfriar com som em outro lugar, ou devem ali permanecer numa balada, como rola nas noites em inúmeros postos, transgredindo as normas do posto e as regras de convivência, pondo em risco suas vidas e as de outros tantos pelas ruas da soterópolis? Enquanto fotografava essa cena de significações para escrever sobre o tema, pensei na moçada bacana com quem interajo cotidianamente, pensei que a festa de Iemanjá tinha ocorrido 15 dias antes naquela região e que este era o primeiro dia de Carnaval, pensei também nas vezes em que incandesci/resfriei pelas ruas e postos... Recobrei a atenção para pagar ao frentista, que me observava com estranhamento.

Ao sair do posto, me desconcerto com aquilo que considerei o desfecho dessa reflexão: funcionários da prefeitura instalando baners criativos em postes ironizando as incandescências/resfriamentos.


















a profusão de questionamentos me tomou novamente: isso é ironia ou é campanha? Quem bebe em posto liga pra esses baners? E quem bebe em casa, bares e outros lugares, também liga? Será que pode ser falta de coragem para enfrentar os consumidores/transgressores que tornam as ruas e crêem que abaixo do equador, no carnaval da Bahia (poderia ser o do Rio) não há pecados? Esse tipo de advertência, sutil, irônica e até mesmo hipócrita, custeada com dinheiro público, tem alcance, transforma atitudes? Ou são vistas e admiradas por incandescentes/resfriadores em plena atividade, ironizando a ironia?

Nosso posicionamento crítico em relação a esses interfluxos dificulta agenciamentos impregnados de uma cultura de consumo sem compromisso com autonomia e liberdade, binômio fundante do desenvolvimento individual e social. A sala de aula deve ser um fórum permanente para esses debates.

Desejando partilhar tais inquietações e discutir cidadania, laser, consumo, cultura, currículo, entre tantas outras coisas, pus-me a escrever essa aventura na urbis soteropolitana.

Aguardo as interações!

segunda-feira, 5 de março de 2007

1. DESEJOS

DESEJO QUE ESTE ESPAÇO SEJA PARA INTERAGIRMOS CRITICAMENTE COM O COTIDIANO, DESVELANDO OS CURRÍCULOS QUE SE INTERCRUZAM EM NOSSO SER-NO-MUNDO.