terça-feira, 18 de setembro de 2007

6. VOTAÇÃO SECRETA, INTENÇÕES DECLARADAS E CONLUIOS EXPLÍCITOS

TRAFEGANDO PELA MOVIMENTAÇÃO POLÍTICA NACIONAL, NO FLUXO DAS TENTATIVAS DE TORNÁ-LA QUESTÕES CONDOMINIAIS, tensiono o escárnio a que estamos submetidos no reino brazuca das iniquidades.

Penso que a lógica do paradoxo pode ser um transporte provocador para essa reflexão, intencionando aguçar desejos e mobilizações para projetos que nos torne nação, superando a condição primal de letargia política e acefalia social que submerge o país numa fossa profunda.

Assumidamente, venho aqui em tom de desabafo.

Peço desculpas pela forma generalista como tratarei da questão, não reconhecendo as exceções. Infelizmente, elas estão amorfas e inertes nesse momento. A canalhice parece engolir as reservas morais em Brasília.

O caso, ou melhor, o “descaso” Renan Calheiros e Senadores da República Federal destruiu mais pilares de sustentação do crédito e confiança que depositamos nas instituições públicas brasileiras. Não estou propondo seu fim. Não acredito em país sem elas. Estou conclamando pela desmobilização da corja atroz autocentrada, infelizmente predominante nessas instâncias, desdenhadoras da perspectiva do coletivo, de projetos de nação.

Temos provocado essa reflexão em nossas aulas, em nossos intervalos, em nossas interações cotidianas? Ou temos apenas argumentado “e poderíamos esperar outra coisa...será que alguém acreditava que seria diferente?”

Sufocado pela desesperança e pela petrificação que essa postura tem provocado mobilizei-me e desloquei-me em atitudes para desnaturalizações dessa condição.

A votação secreta promovida pela corte que se apropriou da instituição mais importante da República, na quarta, 12 de setembro, revelou interesses oblíquos às demandas da coletividade, bem como consolidou a visão torpe dessa casta em relação à democracia e à legislação para o social e projeto político de país e nação. Sem reservas, afirmo que revelou também, o projeto que estamos fazendo de nós mesmos quando elegemos escroques dessa laia para legislar em nosso nome.

Defecando sobre nossas cabeças, entubando-nos com instrumentos autoritários e invazivos, destilaram seus interesses corporativos sem qualquer pudor, com todo o descaramento inerente aos políticos profissionais, próceres do processo de despolitização e descaso com as questões éticas que entranham essa espécie de massa acéfala que parecemos nos tornar.

Como se estivessem decidindo os caminhos de suas agremiações ou condomínios ignoraram a população, a imprensa e a imagem do país, agredindo-nos com sua empáfia demonstrando a fragilidade das instituições públicas típicas dos países latino-americanos e de seu processo democrático, por um lado, e o controle e articulação do autoritarismo capilar e bem engendrado do poder corrupto nesse mesmo território do planeta, por outro.

A votação top secret dos top senadors escondeu na sombra da abstinência os articuladores estrategistas representantes do planalto que tentaram, a qualquer custo, conluios para assegurar as bases para aprovações de seus projetos, sem que a opinião pública pudesse execrá-los. E não me venha essa oposição dos DEMistas e PSDBistas, sabidamente representante das elites que corroboram as iniquidades históricas brasileiras, demonstrar sua indignação com a permanência do escroque Calheiros na presidência do Senado Federal. Seu projeto de emperrar votações já existia antes dessa falcatrua. Infelizmente, estão tripudiando em razão da sede pelo poder que desdobrou nessas articulações do Itamaraty. Não nos enganemos. É uma oposição distante também, da perspectiva coletiva e de supressão das injustiças sociais e de oportunidades para todos.

Num primeiro momento, quando a votação foi aberta, a maioria senatorial decidiu pelo encaminhamento da cassação do agraciado Calheiros, numa ejaculação demagógica viril. Após e decisão pelo voto secreto, as articulações soturnas e nem tão soturnas assim, afloraram como plantas carnívoras, ávidas do banquete que deglutiria a ética, a democracia e o respeito. Mantiveram o calhorda Calheiros na presidência da casa, desconsiderando sua atuação corrupta a frente da instituição.
Corporativismo, rabos-presos, fisiologismo, submissão ou conluio explícito?

A ação escusa e nebulosa da canalhada supranacional, mais uma vez desconsiderou os princípios da convivência coletiva, da governabilidade e da esperança e confiança do país naqueles que o governam, bem como paralisou em 130 dias as decisões e encaminhamentos do Senado, como se a historia tivesse parado em decorrência da corrupção.

Sinto vergonha de apoiá-los comigo mesmo, com meus filhos (ainda crianças, porém partícipes das questões nacionais, a seu modo), com meus alunos cotidianamente, discutindo e defendendo a necessidade da manutenção desses organismos para a democracia.

Não quero fazer aqui apelos sentimentalistas. Essa crítica é desesperança mesmo! É angústia profunda! É vontade de abandonar o país e ir não sei pra onde! É a insustentável agudeza do estado de “sem saída”!

Entretanto é um desabafo necessário para que eu, ao fazê-lo, a despeito de vocês corruptos de atitudes cidadãs torpes, ressignifique tal desesperança para resistir e me mobilizar novamente, alimentando meus filhos e alunos com coragem para resistirem e revolucionarem seus cotidianos explodindo um país, uma nação na justiça e no comprometimento com o outro e com a coletividade.


O voto secreto e a manutenção do biltre Renan Calheiros consolidaram a necessidade de incluirmos Vossas Senhorias no rol dos safardanas que assolam nossas esperanças em uma nova política pela formação de indivíduos na coletividade na diversidade, na ética, na solidariedade e respeito.


Os nobres senadores comprovaram serem séquito de bucéfalos do anti-social Calheiros, umbigóides, daninhos e infelizmente, políticos do legislativo federal, estereótipos de tudo aquilo que execro como cidadãos, como parlamentares de um país como o nosso tão carente de dignidade.

Ou efetivamos projetos em lógicas de racionalidades coletivas, ou nossa saída não será a rodoviária ou o aeroporto. Será a latrina!


Vida curta a seus conluios, caras de pau! Voto aberto para conduzirem o país! Renúncia, já presidente do Senado!


Endereço eletrônico do Senado Federal, onde é possível encontrar endereços eletrônicos dos Nobres Senadores:

www.senado.gov.br

Lotemos suas caixas de e-mais!

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

5. TAMtas EXPLOSÕES

VAGANDO PELA FUMAÇA DA TRAGÉDIA DA TAM EM CONGONHAS, NO FLUXO DO DESESPERO, vi que além da aeronave lotada e do prédio da empresa, movimentado pelo fim do expediente na terça, 17 de julho de 2007, explodiram, também, tensões intercruzadas, como desdobramentos de grandes insatisfações em diferentes âmbitos do cotidiano dos brasileiros.

A explosão material provocou afetações profundas abortando brutalmente vidas de pessoas comuns, deixando a deriva, no grito calado da dor do ceifamento existencial, suas famílias e amigos, deflagrando/consolidando o aparthaid ético de perspectiva coletiva, instituído por essa quase casta de políticos e seus asseclas que imprimem uma quase desesperança aos acomodados por conveniência ou não, quase cidadãos.

A violência do baque foi incomensurável, a porrada foi avassaladora, transbordando novamente o líquido turvo da crise aérea brasileira.

O start da crise no céu da floresta amazônica, há 10 meses, apesar de ter sido transformado em artefato cultural midiático para consumo, com reportagens especiais e investigações com vozes e imagens alteradas num Fantástico aqui, num Jornal Nacional ali, pareceu despertar as comunidades brasileiras para a dimensão do problema, sem, entretanto, grandes mobilizações.

Para nossa condição de seres iconofílicos e iconofágicos, possivelmente o acidente entre o Boeing da GOL e o jato Legacy não tenha provocado forte espetacularização, em razão das imagens só mostrarem os destroços da aeronave na pequena clareira da Floresta Amazônica.

O acidente da TAM, ocorrido no pulsar urbano, na avenida Washigton Luís, setor Congonhas, na maior cidade do país, além de passageiros e tripulação envolveu atores que não estavam ligados diretamente ao vôo 3054 que seguiam interagindo com o fluxo da cidade. E quase foi filmado acontecendo: inseriu-se no universo imagético, explodido, incandescendo, ardendo corações, mentes e imaginários, como também, através da imagem borrada da aterrisagem descontrolada na pista do aeroporto, seguida do clarão da explosão.

O que o estabilizador com o nome TAM, iluminado pelas labaredas daquele incêndio soturno pode significar aos colecionadores e devoradores de imagens? Para mim e alguns próximos uma rede desalentadora de significados se configurou.

De imediato fui arremetido para o espaço da tal crise aérea brasileira; tomado por medo e revolta retomei a incrível capacidade de desrespeito humano e a cidadania desenvolvida pela tríade AERONÀUTICA-INFRAERO-ANAC: insegurança com a infra-estrutura dos aeroportos, pistas, equipamentos e controladores, incompetência gestora nas faltas de planejamento e investimentos, inoperância na regulação do mercado de passagens aéreas e com as insatisfações dos consumidores; e pelo descaso com a manutenção das aeronaves e a tara das empresas aéreas pelos desejos e necessidades de voadores/consumidores, potenciais vítimas logo de partida.

Ao mesmo tempo, como cidadão engajado, questionava a ausência do governo, desdenhador já a muito, dos problemas conjunturais: pensei no lulismo que se configura no país, na engenharia de marketing que autoriza ou não o aparecimento do presidente e seus propostos a consultarem o Arquivo Oficial de Textos e Pronunciamentos Medíocres para Tragédias Nacionais e declinarem sua verborréia genérica protocolar melodramática. Potencializei minha crítica à inoperância dos gestores governamentais e da ausência de planejamento na complexidade e em seus depoimentos antipáticos e bombásticos: que prosperidade geraria acidentes pela incompetência de gestores controladores e obsolescência tecnológica, ministro Mântega? Que gozo mórbido e sadomazoquista, ministra Marta Suplicy!

Pensei, também, no apoio conveniente da Presidência da República às lideranças políticas cínicas no Itamaraty e no Congresso Nacional e na sua perda de status midiático nesses tempos de recesso do Congresso e comoção nacional com o acidente aéreo. Vários boeings-da-tam explodindo nos centros urbanos, nas periferias e no campo enquanto Renan Calheiros, nem que a vaca tussa desabunda da poltrona da presidência do Senado.

Outra conexão dessa rede desalentadora é a explosão abafada dos desdobramentos das ações dos grupelhos de “branquinhos da classe média”, acéfalos sociais, que vem apavorando com sua crueldade a hipocrisia vigorante que acredita nas ocorrências de ações violentas apenas nas periferias dos centros urbanos, onde vivem “neguinhos brau”, os “outros sociais” que estão à solta, do lado de fora das grades, portarias e câmaras dos condomínios.

A explosão do Airbus 3054 da TAM ressoa agudamente na vida dos viventes desdobrando inúmeras outras explosões de desrespeito e insatisfações país afora.

Como é que estamos tratando dessas explosões em nossas salas de aula? Ou não estamos? Deixaremos por conta da mídia? Será que precisamos dar aulas sobre o acidente? Nesse caso, penso que a mídia o faria muito melhor do que nós, professores e educadores.

Creio que devamos tratar dessas explosões mobilizando as comunidades escolares, a sociedade para criar possibilidades de convivência num país com políticas públicas, cidadãos e políticos implicados em éticas pela coletividade. Esse acidente nos revela o quão vulneráveis estamos diante de um Estado inoperante, conivente com ingerências e desrespeitos constantes.

Apesar da tristeza e da depressão, presenciei ações concretas de colegas educadores explodindo esses temas em salas de aula, mobilizando seus alunos com criticidade para atitudes transformadoras. Também mobilizei meus alunos nesse sentido. Foram tocantes os relatos de Niêta e Mirian, companheiras de educação, quando explodiram o tema em suas aulas naqueles dias, tornando-os conteúdos refletidos e discutidos, desdobrando pontes e possibilidades de análise de questões que nos inquietam como seres humanos e cidadãos. Presenciei e interagi com seus e meus alunos que, mobilizados por discussões sobre a crise área como expressão da incrível capacidade de desrespeito ao ser humano e à cidadania instituída nesse país, propunham projetos, redigiam textos, discutiam estratégias e ferramentas para ações sociais naquela perspectiva.

Essas ações instituintes de educadores e alunos são explosões de possibilidades de reações coletivas às mazelas desse país tão diverso que nos solapam as esperanças. São atos de currículo poderosos, implicados num movimento crítico, de mobilização coletiva pela cidadania e pelo bem comum.

Encerro este percurso, juntando-me ao grande número de insatisfeitos, indignados e mobilizados contra esse contexto de não-gestões, externando meu mais potente repúdio ao Itamarati, ao Congresso Nacional, aos inoperantes Aeronáutica-Infraero-Anac e às empresas aéreas, ao mesmo tempo em que declaro minhas mais profundas condolências às famílias das vítimas desse acidente atroz.

domingo, 8 de abril de 2007

4. ARTE DOS CARAS: CONTROLE, CONSUMO E OSTENTAÇÃO

VAGANDO PELO COTIDIANO, NO FLUXO DAS INFORMAÇÕES INSTITUÍDAS, inquietei-me com uma questão intrigante sobre arte: seu consumo controlado por agências de mercado, em função de seu valor adquirido em leilões.

No último mês a campanha da revista Caras trazia um texto mais ou menos assim: adquira réplicas das obras mais valiosas do mundo!(versão impressa); Tenha em sua casa obras de arte que foram adquiridas por zilhões de dólares em leilões do mundo!(versão para TV). O que os Caras querem que façamos veiculando esse tipo de texto? O que podemos discutir sobre afetação de subjetividades e modos de endereçamento ao consumirmos passivamente tal referência?

Desvelamentos são necessários para essas reflexões. Esse semanário de grande circulação nacional trata/forja o cotidiano, a intimidade, a vida daqueles que têm sido considerados celebridades - a propósito, quem define isso, o povo, os expectadores, os consumidores, os produtores ou os marketeiros? O discurso produzido por seus textos, principalmente os imagéticos (mesmo por que os escritos são muito mais verbetes e legendas que reforçam as imagens) define de forma deliberada o que deve ser consumido como in/out. Alimenta o paradigma da mutação em curso dos cidadãos para consumidores: eu sou aquilo que tenho, e o que tenho deve ser publicizado, midiatizado. A Ilha dos Caras simboliza o insulamento do consumidor/possuidor/pretensioso do mar social, daquilo que poderia ser um oceano de mobilizações para a coletividade. É a prática do celebridismo que temos alimentado e que tem nos consumido cotidianamente.

Dessa forma, uma campanha para divulgar a promoção da revista, presenteando os leitores/consumidores com os encartes contendo réplicas das obras dos “grandes mestres” da pintura mundial, não poderia ser veiculada de outra maneira. Arte aqui não é apresentada para provocar, para emocionar, para questionar, inquietar, discordar, para ser admirada, para se tratar do belo, da estética ou, simplesmente, para apreciação. A arte é trazida aqui como um artefato cultural para ser consumido. Possuir réplicas de um Klint, um Picasso, um Van Gogh, que foram arrematados por zilhões de dólares ou euros é representação dessa cultura consumista, definida pelas agências de mercado. É a fantasia de ser pertencente a um seleto grupo de possuidores. É permitir-se ser educado para o consumo controlado e definido por grupos de marketing. Até a forma de referência as obras, atribuindo o nome do autor a elas, “um Klint”, “um Van Gogh”, “um Picasso”, é atribuição de identidade de consumo, eles adquirem status de grife. Creio que boa parte desses consumidores exibirá suas réplicas como artefatos de valor comercial, como uma “das pinturas mais VALIOSAS do mundo”, simbolizando posse e mais fantasias de riqueza, e de poder. Adquirir uma réplica dessas obras via essa veiculação de Caras, mais do que apreciação da arte, mais do que interação com a criação, a estética, é ostentação de consumo – eu consumo esse artefato por ser uma réplica de “um fulano” que custou zilhões em um leilão de algum lugar e, principalmente, por ter sido um presente dos Caras. É ostentação de consumo daquilo que os Caras definiram como in, up, chiquerésimo, bacanérrimo nesse universo simbólico de consumo. Os Caras pesquisam, analisam e conhecem quem consome esse tipo de produto.

Nada contra o orçamento de obras de arte. Quero refletir sobre o consumo da arte pelo seu valor de mercado imposto por semanários que estandartizam a cultura do “sou aquilo tenho”, controlando o que é certo/errado, in/out, chiquerésimo/cafonérrimo no cotidiano.

Adquirir réplicas dos “grandes mestres” e conhecer suas histórias pode vir a ser um investimento interessante, inclusive via Caras. Desde que a aquisição seja consciente e decidida pelo adquirente, apreciador e até mesmo consumidor ou investidor. E não determinada pelas agências controladoras e geradoras de identidades para consumo.

Se não proporcionarmos reflexões sobre essas questões, sobre como elas vem delineando os currículos culturais, permaneceremos distantes estratosfericamente dos cotidianos de nossos alunos, vagando como um meteoro que bate cabeça com as muralhas que encastelam os conteúdos específicos das disciplinas.

domingo, 18 de março de 2007

3. A ICONOFILIA DOS GLOBALIZADOS NA MODERNIDADE TARDIA

Este texto foi originalmente publicado no Soterópolis – o jornal de cultura da Bahia, nº. 45, jun – 2002, e utilizado pela amiga, profa. Madalena, numa de suas brilhantes avaliações de Língua Portuguesa (que me deixou muito honrado), em um dos colégios onde atua.
Esta versão está revista e atualizada para o TEIA.

VAGANDO PELOS FRAMES, NO FLUXO DE SUAS IMAGENS, proponho que imaginemos o coringa e seus malabares para analisarmos um recorte da modernidade tardia. Somos nós os malabares ou o coringa dessa história? Se malabares, até que ponto deixamos que nos impulsionem ou, até que ponto nos permitimos ser moldados na madeira, pinos alegóricos que servirão aos espetáculos da vida? A quais espetáculos servimos? Se coringas, que habilidades estamos utilizando para o show cotidiano com os pinos voadores? Que tipo de show queremos apresentar? Somos protagonistas ou coadjuvantes?

Não teorizo sobre o que somos. Creio que ora estamos malabares e ora estamos coringa. E nesse momento, quero refletir criticamente sobre o nosso estar malabar.

A modernidade tardia nos lança como malabares no espaço cotidiano que se desvenda desigual, amorfo, e desequilibrante a cada pirueta impulsionada. Não pretendo execrá-la ou enaltecê-la. Quero tensioná-la.
Como interagir com tantas tendências, tantas mudanças, tantos “novos paradigmas” para entender o que está se passando nos mais variados âmbitos do viver? Como lidar com a questão da formação nesse cosmo de informação? Será que assimilamos tudo que é veiculado pelas fontes – família, escola, rua, autodidatismo, mídia? Como acompanhar a velocidade da informação? Será que é preciso assimilar todas as informações produzidas por essas fontes? Somos seletivos, assimiladores ou um poço sem fundo, depósito de informação? E a criticidade tem sido mobilizada para interagir com essa dessubstanciação que rompe com as experiências de temporalidade, com o agigantamento do presente?

Dentre essas matrizes, as questões midiáticas tem afetado sobremaneira as subjetividades e o comportamento do cidadão na modernidade tardia. Logo, quando se trata de formação, surge a inquietação: como lidar com os valores (ou a ausência deles) propagados pela mídia se meus valores são tão diferentes? Será que são tão diferentes mesmo? Será que estamos centrados apenas em nossos valores e não queremos reconhecer outros, diferentes e novos valores e interagir criticamente com eles? Até que ponto corroboramos com os valores midiáticos e autorizamos sua propagação? Será que a mídia é mesmo nociva ao comportamento? E se déssemos outro tratamento ao seu conteúdo, será que seria diferente?
Esses questionamentos expressam a insegurança e a incerteza que intercruzam nossas perspectivas momentâneas ou de futuro mais distante.

A comunicação de massa exigiu agilidade na transmissão da informação, promovendo consumismo em escala planetária, não apenas de bens de consumo mas, também, de valores, conceitos e comportamentos. A massificação da comunicação promoveu a reconstrução de conceitos, destruiu modelos, enterrou, transformou e criou valores embriagando-nos de efemeridade – “nada mais antigo do que ontem !”

Na profusão contestadora, ideológica e política da década de sessenta, entre tantas outras, encontramos duas referências sobre essa questão.

Na Arte e na Comunicação vimos a propagação de idéias que ganharam vigorosas proporções soando quase como profecias: Andy Wahrol, na vanguarda da pop arte, vislumbrou que “no futuro todos terão seus 15 minutos de fama”. Marshall MacLuhan, o visionário da comunicação, definia o conceito das redes de comunicação que chamou de “aldeia global”.

À luz desses referenciais, podemos refletir sobre as questões midiáticas na atualidade – o que não diminui nossas inquietações e angústias sobre elas.

Concretamente vivenciamos hoje as “profecias” dos dois vanguardistas do passado, apesar da aldeia global de MacLuhan não ter se consolidado totalmente como apontou. Direcionemos nossa visão àquilo que definimos como realidade para que as constatações nos desequilibrem.

Os 15 minutos de Wahrol foram ampliados para 60, 70 dias de fama nos reality shows, que se servem da aldeia global de McLuhan para que os espectadores possam participar, interagir e, pasmemos(!), decidir os rumos dos “novos famosos”. Que democracia, que senso de cidadania!!! As Pegadinhas de Faustão, Gugu, os antigos programas de Ratinho e de Márcia, por exemplo, transformam tragédias e constrangimentos em 10 ou 15 minutos de fama, transmitindo para todo o Brasil, a espontaneidade ensaiada dos protagonistas das histórias neles exibidas. Os programas desse gênero têm na comunicação em rede o grande canal para a participação dos espectadores incautos (e questiono, será que são inacutos mesmo ou se deixaram forjar nessa oficina global de desgentificação, cooptadora de pensantes?) que, sedentos de democracia, crêem estar exercendo-a.


Salve o culto às celebridades fugazes e à mediocridade em rede, em aldeia global!

As imagens dessas matrizes dão novos significados à idealização de felicidade, conquista pessoal, inteligência, sucesso, dignidade, solidariedade, passividade, perseverança, heroísmo - como quer Bial, o paraninfo dos heróis-broderes, etc.

O universo imagético ganha a dimensão do viver, pois “viver é simbolizar”. Eis aí a grande referência com a qual devemos interagir nesse contexto de transformações que nos inquieta. A vida é o palco da simbolização que adquire hoje, com as questões midiáticas, maiores proporções. Nosso consumo de imagem é infinitamente maior do que nos momentos históricos anteriores. Arrisco afirmar que é maior do que durante a Guerra Fria, quando a bipolarização ideológica construía símbolos, imagens, mitos que serviam às ideologias que se contrapunham. Nesse contexto de virada de milênio, assistimos o desenvolvimento tecnológico tentando sobrepor-se às Ideologias. Apesar do Echelon – sistema norte-americano de rastreamento de sinais telefônicos e e-mails “para combater o mal” - há possibilidade de comunicação entre seres de qualquer parte do planeta, independente da ideologia que possuem (se é que ainda possuem). Mike dos EUA pode se corresponder com o Yuri da Rússia; Shin Linn da China pode se corresponder com Antônio do Brasil, independente de suas ideologias. Se todos eles forem adolescentes estarão usando o mesmo tipo de indumentária de suas respectivas tribos nesses diferentes recônditos da terra; estarão, seguramente, assistindo MTV e assumindo “atitudes” muito similares, apesar de suas origens distintas e da utilização dos localismos como estratégia da globalizadora. A cultura de consumo, predadora e conversora de cidadão em consumidor inverteu a lógica da produção apontada por Marx. Nesses tempos de modernidade tardia, como alerta Jameson, ela é definidora da produção.
O universo midiático está a serviço da ideologia do capital, do consumo, do “ter” para ser feliz e tornar felizes as grandes marcas que dominam os mercados globalizados, inclusive as marcas de grupos de comunicação. Renato Janine Ribeiro, pensador brasileiro contemporâneo, afirma que no terceiro milênio a noção de cidadania que se terá em países como o Brasil (e já se tem) será “poder consumir”; se eu consumo eu pratico a cidadania; se eu possuo, eu tenho direitos adquiridos. Do contrário terei de subtrair de quem tem para ser cidadão.

Ainda como contribuição a essa reflexão faço referência a outro pensador da contemporaneidade, Foulcault, para refletirmos sobre as fontes de poder opressor e controlador. Diferente das bandeiras da esquerda marxista que apontavam essa fonte somente no Estado burguês, Capitalista – e que portanto, deveria ser derrubado - Foulcault argumenta sobre a dificuldade de se identificar essa fonte, já que ela não é única. A "microfísica do poder" está em todas as formas de relacionamento social: Estado/povo, brancos/negros, brancos/indígenas, pais/filhos, homem/mulher, marido/mulher, professor/aluno, diretor/funcionário, namorado/namorada, amigo/amigo, etc). Nas sociedades do liberalismo exacerbado é mais difícil, ainda, identificá-las. As facilidades de compra, de acesso a gastos, de “serviços”, de participação em programas de TV e Rádio, enfim, essa pseudo democracia interativa, criam uma névoa que desfoca tal identificação. Os focos do poder controlador estão dissipados na aldeia global (mas, quem controla a aldeia global?) impedindo a nós, seres globalizados, de interagir criticamente com essa rede.

Portanto voyeristas, quando, através do buraco da fechadura de nossa TV, inebriados pela sensação de estar ali, na intimidade dos “novos famosos”, atentemos para o fato de que também estamos sendo “filmados”, captados e observados pelos detentores de audiência, pelos opressores e manipuladores do comportamento, desfocados de nossa visão, muitas vezes obtusa, da realidade.

Somos seres iconofílicos, isto é, cultuadores de imagens. Mais ainda, somos seres iconofágicos, devoradores de imagens. Vejamos: quanta audiência para o Cidade Alerta e para o Linha Direta (este, reconstrói a história do crime como as cenas de uma novela que ainda vai acabar bem, encontrando os culpados, prestando um grande serviço à comunidade!) Lembra-nos o antropólogo Albergaria: quantas vezes vimos e revimos os aviões entrarem nas torres do WTC? A cada novo ângulo, largávamos tudo o que estávamos fazendo para não perdê-lo! Por que não transmitiram na mesma proporção as imagens do Pentágono? Elas eram bem pouco espetaculares, não possuíam a dramaticidade dos aviões explodindo as torres gêmeas em Nova Iorque. A audiência, nesse último caso, diminuiria.

Por fim, respondendo a inquietação inicial, afirmo que os coringas que nos lançam como malabares são os poderes que nos submetem não só através da "...coerção material, mas principalmente da dominação simbólica..." com forte influência da imagem, gerando novas necessidades e esculpindo os sentimentos e os desejos. A Imagem é incorporada cada vez mais ao uso cotidiano do pensamento. Nos tornamos a "Civilização da Imagem".

E então, como temos tratado destas questões com nossos alunos? Elas são relevantes como conteúdos transversalizadores? Temos refletido criticamente sobre as tensões cidadão/consumidor que nos afetam cotidianamente? Estamos interagindo com criticidade no universo imagético que tenta sobrepor-se ao intercruzamento de nossas vidas?

Nossa garimpagem deve ser incessante pela transformação do ensino enfadonho dos conteúdos em sala de aula.

Menos palestras, mais provocações e discussões!

No aguardo das interações!

segunda-feira, 12 de março de 2007

2. INCANDESCÊNCIA E RESFRIAMENTO

VAGANDO PELA URBIS, NO FLUXO DE SUAS ARTÉRIAS interagimos com poderosos currículos que estão nos afirmando comportamentos, atitudes e consumismo cultural.

A criticidade deve nos mobilizar para analisá-los e debatê-los, tentando garantir atitude pela liberdade e autonomia cidadã. Penso que tais questões devam ser garimpadas no cotidiano para serem lapidadas nos conteúdos, dando significação àquilo que tentamos promover em sala de aula.

Estamos todos em estado de aprendência. Os currículos culturais intercruzam nossos cotidianos enquanto estamos cidadãos, pais, mães, professoras, alunos e alunas, profissionais, filhas e filhos, dentro e fora da escola.

Vejamos a proposta de análise que desejo partilhar nesse espaço.

Enquanto abastecia o carro em um posto, na quinta-feira (aqui em Salvador) de carnaval, postura de observador malemolente, como quem deixa a cabeça recostar-se no apoio-de-cabeça, sem compromisso com o estado de vigília de minutos atrás, mas sem esmorecer ao interfluxo dos significados e significantes da paisagem,
surpreendi-me com imagens de consumo intercruzando esse espaço de significações.

Numa mesma parede do posto, disputavam a atitude consumista dos incautos motoristas ou, simplesmente, passantes, um pôster de energético, latas de cerveja empilhadas, advertência da empresa sobre som alto, advertência do Governo Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre venda de bebidas a menores e uma faixa, mostrando o preço promocional de outra cerveja.

Inquietei-me com tal simultaneidade de informações, refletindo sobre como esse conjunto afetaria as nossas subjetividades.















Há um tensionamento ocorrendo nesse enquadramento: as advertências e proibições com a cena da balada do casal incandescente determinando sua atitude burn, por R$5,90, bem como, com as opções menos incandescentes e mais resfriadoras das cervejas de R$1,50 e R$ 1,20. Os incautos devem beber ali e ouvir som em outro espaço? Os comerciantes respeitam a legislação e têm consciência de que vender bebidas alcoólicas a menores é crime? “Posto de gasolina” deve comercializar bebidas alcoólicas? Os incautos devem consumir as promoções de bebidas alcoólicas e incandescer/resfriar com som em outro lugar, ou devem ali permanecer numa balada, como rola nas noites em inúmeros postos, transgredindo as normas do posto e as regras de convivência, pondo em risco suas vidas e as de outros tantos pelas ruas da soterópolis? Enquanto fotografava essa cena de significações para escrever sobre o tema, pensei na moçada bacana com quem interajo cotidianamente, pensei que a festa de Iemanjá tinha ocorrido 15 dias antes naquela região e que este era o primeiro dia de Carnaval, pensei também nas vezes em que incandesci/resfriei pelas ruas e postos... Recobrei a atenção para pagar ao frentista, que me observava com estranhamento.

Ao sair do posto, me desconcerto com aquilo que considerei o desfecho dessa reflexão: funcionários da prefeitura instalando baners criativos em postes ironizando as incandescências/resfriamentos.


















a profusão de questionamentos me tomou novamente: isso é ironia ou é campanha? Quem bebe em posto liga pra esses baners? E quem bebe em casa, bares e outros lugares, também liga? Será que pode ser falta de coragem para enfrentar os consumidores/transgressores que tornam as ruas e crêem que abaixo do equador, no carnaval da Bahia (poderia ser o do Rio) não há pecados? Esse tipo de advertência, sutil, irônica e até mesmo hipócrita, custeada com dinheiro público, tem alcance, transforma atitudes? Ou são vistas e admiradas por incandescentes/resfriadores em plena atividade, ironizando a ironia?

Nosso posicionamento crítico em relação a esses interfluxos dificulta agenciamentos impregnados de uma cultura de consumo sem compromisso com autonomia e liberdade, binômio fundante do desenvolvimento individual e social. A sala de aula deve ser um fórum permanente para esses debates.

Desejando partilhar tais inquietações e discutir cidadania, laser, consumo, cultura, currículo, entre tantas outras coisas, pus-me a escrever essa aventura na urbis soteropolitana.

Aguardo as interações!

segunda-feira, 5 de março de 2007

1. DESEJOS

DESEJO QUE ESTE ESPAÇO SEJA PARA INTERAGIRMOS CRITICAMENTE COM O COTIDIANO, DESVELANDO OS CURRÍCULOS QUE SE INTERCRUZAM EM NOSSO SER-NO-MUNDO.