domingo, 8 de abril de 2007

4. ARTE DOS CARAS: CONTROLE, CONSUMO E OSTENTAÇÃO

VAGANDO PELO COTIDIANO, NO FLUXO DAS INFORMAÇÕES INSTITUÍDAS, inquietei-me com uma questão intrigante sobre arte: seu consumo controlado por agências de mercado, em função de seu valor adquirido em leilões.

No último mês a campanha da revista Caras trazia um texto mais ou menos assim: adquira réplicas das obras mais valiosas do mundo!(versão impressa); Tenha em sua casa obras de arte que foram adquiridas por zilhões de dólares em leilões do mundo!(versão para TV). O que os Caras querem que façamos veiculando esse tipo de texto? O que podemos discutir sobre afetação de subjetividades e modos de endereçamento ao consumirmos passivamente tal referência?

Desvelamentos são necessários para essas reflexões. Esse semanário de grande circulação nacional trata/forja o cotidiano, a intimidade, a vida daqueles que têm sido considerados celebridades - a propósito, quem define isso, o povo, os expectadores, os consumidores, os produtores ou os marketeiros? O discurso produzido por seus textos, principalmente os imagéticos (mesmo por que os escritos são muito mais verbetes e legendas que reforçam as imagens) define de forma deliberada o que deve ser consumido como in/out. Alimenta o paradigma da mutação em curso dos cidadãos para consumidores: eu sou aquilo que tenho, e o que tenho deve ser publicizado, midiatizado. A Ilha dos Caras simboliza o insulamento do consumidor/possuidor/pretensioso do mar social, daquilo que poderia ser um oceano de mobilizações para a coletividade. É a prática do celebridismo que temos alimentado e que tem nos consumido cotidianamente.

Dessa forma, uma campanha para divulgar a promoção da revista, presenteando os leitores/consumidores com os encartes contendo réplicas das obras dos “grandes mestres” da pintura mundial, não poderia ser veiculada de outra maneira. Arte aqui não é apresentada para provocar, para emocionar, para questionar, inquietar, discordar, para ser admirada, para se tratar do belo, da estética ou, simplesmente, para apreciação. A arte é trazida aqui como um artefato cultural para ser consumido. Possuir réplicas de um Klint, um Picasso, um Van Gogh, que foram arrematados por zilhões de dólares ou euros é representação dessa cultura consumista, definida pelas agências de mercado. É a fantasia de ser pertencente a um seleto grupo de possuidores. É permitir-se ser educado para o consumo controlado e definido por grupos de marketing. Até a forma de referência as obras, atribuindo o nome do autor a elas, “um Klint”, “um Van Gogh”, “um Picasso”, é atribuição de identidade de consumo, eles adquirem status de grife. Creio que boa parte desses consumidores exibirá suas réplicas como artefatos de valor comercial, como uma “das pinturas mais VALIOSAS do mundo”, simbolizando posse e mais fantasias de riqueza, e de poder. Adquirir uma réplica dessas obras via essa veiculação de Caras, mais do que apreciação da arte, mais do que interação com a criação, a estética, é ostentação de consumo – eu consumo esse artefato por ser uma réplica de “um fulano” que custou zilhões em um leilão de algum lugar e, principalmente, por ter sido um presente dos Caras. É ostentação de consumo daquilo que os Caras definiram como in, up, chiquerésimo, bacanérrimo nesse universo simbólico de consumo. Os Caras pesquisam, analisam e conhecem quem consome esse tipo de produto.

Nada contra o orçamento de obras de arte. Quero refletir sobre o consumo da arte pelo seu valor de mercado imposto por semanários que estandartizam a cultura do “sou aquilo tenho”, controlando o que é certo/errado, in/out, chiquerésimo/cafonérrimo no cotidiano.

Adquirir réplicas dos “grandes mestres” e conhecer suas histórias pode vir a ser um investimento interessante, inclusive via Caras. Desde que a aquisição seja consciente e decidida pelo adquirente, apreciador e até mesmo consumidor ou investidor. E não determinada pelas agências controladoras e geradoras de identidades para consumo.

Se não proporcionarmos reflexões sobre essas questões, sobre como elas vem delineando os currículos culturais, permaneceremos distantes estratosfericamente dos cotidianos de nossos alunos, vagando como um meteoro que bate cabeça com as muralhas que encastelam os conteúdos específicos das disciplinas.